Skip to content Skip to footer

Somente 70% dos colaboradores estão engajados… Será mesmo?

Tempo de Leitura: 5 minutos

É bem provável que você já tenha esbarrado no famoso dado da Gallup:
“Só 23% dos colaboradores no mundo estão engajados.”

Eu mesmo já vi essa estatística ser repetida incontáveis vezes e até admito que também utilizei ela no passado para causar impacto em alguma apresentação. Afinal, quem trabalha com Pessoas e Cultura vive em uma busca constante por dados que ajudem a justificar a necessidade e o retorno de se investir em gente.

E, convenhamos… nada vende melhor do que o medo. Quando você chega para a diretoria dizendo que quase 80% da folha de pagamento está nas mãos de pessoas “sonâmbulas”, a atenção é imediata.

Por isso, o relatório State of the Global Workplace ficou tão famoso.
Ano após ano, ele é citado como prova irrefutável de que o mundo está cada vez mais desengajado e que os negócios perdem bilhões de dólares todos os anos por conta disso.

Mas esta semana eu decidi analisar profundamente esta pesquisa para entender melhor a metodologia utilizada, as premissas adotadas e a lógica do processo de análise deste material.

Meu objetivo não foi questionar os números por si só ou desqualificar a empresa de consultoria que a criou. Eu simplesmente persegui um incômodo que eu tenho sobre a forma simplista com que estas conclusões são reproduzidas por aí e decidi aplicar algumas lentes ao olhar para este estudo.

Neste meu processo de análise, eu encontrei quatro grandes vieses que abrem algumas discussões interessantes sobre engajamento, e isto me motivou a escrever este artigo.


VIÉS 1 — A lógica das “5 estrelas” 

Nesta pesquisa, a Gallup usa uma escala Likert, de 1 a 5, para medir a intensidade da concordância com as 12 declarações que eles selecionaram neste estudo, sendo:

1- Discordo Totalmente
2- Discordo
3- Neutro
4- Concordo
5- Concordo Totalmente

Eles também partiram do pressuposto de que existe uma diferença comportamental significativa entre um funcionário que marca “4” (Concordo) e um que marca “5”. Então foi adotada uma lógica semelhante às pesquisas NPs, em que o “4” é uma resposta neutra por representar concordância passiva ou uma satisfação morna, enquanto o “5” indica um compromisso emocional robusto.

Ou seja:

Um profissional competente, estável, comprometido e criterioso, que responde “4”, já seria enquadrado como “Não Engajado”.

VIÉS 2 — “Engajamento”, segundo… a própria Gallup

A palavra “engajamento” tem raiz etimológica no termo francês gage (penhor, promessa, garantia) e, portanto, o ato de “engajar-se”, originalmente, significa comprometer-se, obrigar-se, empenhar algo, colocar sob garantia.

No entanto, a Gallup propôs um conceito bem particular do que é engajamento seguindo  algumas bases teóricas promovidas por eles, como a pirâmide de Maslow e outras teorias de desenvolvimento de liderança e de coaching usadas em seus programas. 

Portanto, aquele questionário de 12 perguntas não nasceu de uma teoria psicológica sobre o engajamento em si. Ele foi criado a partir de insights que eles tiveram sobre resultados de equipes de alta performance. 

Desta forma, seria mais correto dizer que este instrumento está avaliando como os colaboradores percebem o nível de maturidade organizacional em relação a um conjunto de fatores pré-definidos. Portanto, não é sobre avaliar o engajamento dos colaboradores em si. 

VIÉS 3 — Reducionismo cultural

Aqui entramos no território mais perigoso: a cultura.

O estudo aplica a mesma régua em 160 países. Mas será que faz sentido perguntar para um alemão ou para um japonês se eles têm um “melhor amigo” no escritório?

Em culturas latinas, misturamos vida pessoal e trabalho. Em culturas de fronteira rígida, separar as duas coisas é sinal de profissionalismo, não de desengajamento.

O estudo também pergunta se você recebeu elogios “nos últimos sete dias”. Isso parte de uma hipótese que pode até funcionar bem em determinadas equipes em algumas culturas mas também temos que reconhecer que existem organizações altamente produtivas em que os líderes não possuem o hábito de elogiar. Para algumas culturas, o silêncio do líder pode simplesmente significar: “Está tudo ótimo, continue”.

Ao usar uma régua única, corremos o risco de não estar medindo engajamento, mas sim o grau de padronização com conceitos pré-estabelecidos,

VIÉS 4 — O bode expiatório perfeito: Liderança.

Por fim, o viés mais conveniente para o mercado de consultoria. O estudo afirma “70% da variação do engajamento é culpa do gestor.”

É um dado perfeito para vender treinamento de liderança. Mas é uma meia-verdade. Este estudo abordou muito pouco os fatores estruturais (arquitetura organizacional, salário, benefícios e recursos de trabalho) do núcleo da análise.

A metodologia pressupõe uma correlação direta entre o colaborador e o seu líder, mas ignora os aspectos estruturantes. Portanto, se o escopo de um determinado cargo é precário, se a meta é impossível e se o salário é injusto, mesmo o melhor gerente do mundo não vai conseguir engajar ninguém.

Dizer que esse time está desengajado por “falta de propósito” ou “falta de feedback” é ignorar que o problema não é psicológico; é de Design Organizacional.

Culpar o indivíduo é fácil, culpar o sistema dá trabalho.


Conclusão: 

Não me entendam mal: o estudo da Gallup é muito relevante e contém ótimos insights. Ele utiliza uma boa amostragem e apresenta dados úteis sobre Excelência e Alta Performance.

O erro é usá-lo como diagnóstico de engajamento do ponto de vista psicológico.

E um risco ainda maior desse estudo é tentar identificar aqueles 67% de colaboradores classificados como “Não Engajados” como se eles fossem o problema ou a ameaça da organização. 

Muitas das pessoas “nota 4” ou “nota 3” podem ser colaboradores extremamente engajados do ponto de vista psicológico mas que possuem uma visão crítica relevante para a organização. 

E, para deixar claro, um outro ponto: minha crítica não é ao uso de pesquisas quantitativas.

Pesquisas são essenciais, são ótimos mapas de calor e excelentes pontos de partida para iniciar conversas difíceis. Avaliar a qualidade dos programas de gestão e desenvolvimento é extremamente válido e necessário.

O que me preocupa é outra coisa: a apropriação de um termo psicológico complexo (“engajamento”) a partir de uma mistura de teorias que sustentam o próprio produto que se deseja vender para resolver o sintoma que o instrumento foi projetado para revelar. É um loop perfeito, elegante e comercialmente genial, mas conceitualmente perigoso.

No final, talvez a pergunta não seja “como aumentar o engajamento de 23% para 70%?”,
e sim: 

“Como podemos construir organizações mais colaborativas, coerentes e bem desenhadas onde o trabalho real possa florescer sem ser reduzido a uma nota?”

Leave a comment

Consultoria especializada em cultura de marca, cultura organizacional e cultura de aprendizado. Transformamos cultura em ativo de negócio criando ações concretas para inspirar, engajar e gerar resultados sustentáveis.

Redes Sociais
Contato

Rua Francisco Dias Velho, 919
Brooklin, São Paulo/SP

© 2025. Todos os direitos reservados. Desenvolvido por The Branding Tailors